A Pesquisa


URBANISMO E PLANEJAMENTO URBANO EM CIDADES DE BAIXO CARBONO
Estudo do Caso da Cidade de Fortaleza e de sua Região Metropolitana


IDENTIFICAÇÃO DA PROPOSTA
Este projeto de pesquisa parte da indagação sobre as limitações e possibilidades das práticas urbanísticas adotadas por administrações públicas regionais e municipais para a proteção ambiental da metrópole contemporânea. Ao considerar o conceito de “cidades de baixo carbono”, que introduz no debate ambiental as questões relativas ao papel das cidades nas mudanças climáticas, esta pesquisa pretende identificar estratégias e mecanismos de ação que possam auxiliar o projeto e o planejamento das cidades, visando um melhor desempenho socioambiental. 
PALAVRAS-CHAVE:
Cidades de Baixo Carbono, Sustentabilidade, Urbanismo, Planejamento Urbano, Região Metropolitana de Fortaleza.



IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA

A Relevância do Tema
A segunda metade do século XX marcou a aceleração do processo de urbanização no Brasil, tendo como consequências: a verticalização e o adensamento das áreas já urbanizadas, a formação de regiões metropolitanas e a ocupação extensiva de grandes áreas periféricas aos aglomerados urbanos. 
Desde então, a expansão urbana se faz com a sobreposição (ou coexistência espacial) de situações de pobreza e degradação ambiental, presentes em muitas áreas urbanas, agravadas por situações de exposição a riscos, tais como enchentes, deslizamentos de terra, poluição, contato com doenças de veiculação hídrica, etc. 
A ausência de saneamento básico – principalmente redes de esgoto –, gera poluição de rios e córregos, além de um forte processo de desmatamento. Entre os impactos socioambientais da urbanização destaca-se também a intensificação dos deslocamentos intrametropolitanos, com consequente aumento do consumo de energia e da poluição do ar, acirrando as situações de vulnerabilidade socioambiental.
O fato agravante é que ainda são frágeis as bases para um Sistema de Planejamento Metropolitano, que tenha por finalidade incentivar a organização regional e coordenar e compatibilizar planos e projetos setoriais. A experiência em andamento nos atuais sistemas metropolitanos revela a dificuldade de articular a política urbana local com a ação dos órgãos e entidades setoriais.
É sobre este contexto de dúvidas e incertezas que esta pesquisa pretende se debruçar. Sua relevância se deve ao fato de estudar uma questão ainda pouco explorada no campo dos estudos sobre a metrópole brasileira, qual seja: a ideia de uma prática urbanística voltada para cidades de baixo carbono, reconhecendo que políticas urbanas, estratégias de projetos e ações integradas na cidade representam uma parte importante das soluções dos problemas socioambientais de caráter global. Neste sentido, acredita-se que o urbanismo e o planejamento urbano sejam capazes de oferecer uma contribuição decisiva para captar, traduzir e propor meios para enfrentar o fenômeno do crescente entrelaçamento entre as dimensões social e ambiental da urbanização.

Cidades de Baixo Carbono: um Conceito em Construção
O conceito de “cidades de baixo carbono”, ainda em construção, consiste em uma tentativa de introduzir, no debate ambiental, as questões relativas ao papel das cidades nas mudanças climáticas. Ele enfatiza principalmente a importância dos centros urbanos e sua área metropolitana como grandes produtores de dióxido de carbono, num mundo cada vez mais urbanizado. E também destaca, entre outras questões: o papel da energia verde e dos processos de produção de energia descentralizados; novas opções de suprimento e de demanda de energia; e a importância da mudança de estilos de vida e padrões de consumo.
A associação dos diversos fatores que compõem as cidades – centros de atividade econômica e de concentração e crescimento populacional – leva as atividades urbanas cotidianas a emitirem gases causadores do efeito estufa, contribuindo para sua alta concentração na atmosfera e, consequentemente, para o agravamento da crise originada pelas mudanças climáticas. 
Convém ressaltar a previsão de que as áreas urbanas também serão as mais vulneráveis aos efeitos negativos das mudanças climáticas, sobretudo nos países em desenvolvimento. Os impactos das mudanças climáticas têm o potencial de afetar de forma negativa a infraestrutura das cidades, piorar o acesso aos serviços urbanos básicos e afetar a qualidade de vida dos cidadãos, entre outros efeitos, o que evidencia a importância das estratégias de adaptação no intuito de tornar as cidades mais resilientes diante das mudanças climáticas em curso.
Do ponto de vista do ecossistema, a cidade é um sistema artificial formado por moradores e meio ambiente. Esse ecossistema urbano tem uma logística intensiva de fluxos de energia, fluxos de informação e de materiais. É um ecossistema com alta concentração de energia e de comunicação de massa. Seus componentes humanos conectam-se incessantemente através de fluxos de energia e de ciclagem de material que vêm do exterior da cidade, de forma cíclica e não linear. Neste sistema complexo, a simples adoção de métodos tecnológicos de economia de energia não é suficiente para resolver todo o problema de baixas emissões de carbono no ambiente urbano. Para se alcançar metas sustentáveis de baixo carbono, é necessário identificar diferentes mecanismos, programas e ações conjugados em uma nova prática urbanística da cidade.

Urbanismo e Planejamento Urbano para Cidades de Baixo Carbono
O conceito de cidades de baixo carbono está sendo construído através de estudos e experiências coletivas. A maioria das experiências em curso sobre o urbanismo e o planejamento urbano de baixo carbono coloca a energia em primeiro lugar. Depreende-se dessas iniciativas que não há soluções modelares e universalizantes e que o planejamento urbanístico e ambiental de baixo carbono deve incorporar soluções sistemáticas e localizadas para a mitigação de problemas e a adaptação das cidades, um desafio cuja complexidade exige a construção de uma nova abordagem multidisciplinar para esta área de conhecimento. 
Alguns especialistas identificam pelo menos três problemas para se viabilizar um planejamento urbano para cidades de baixo carbono. O primeiro problema seria a falta de inovação nos mecanismos para se alcançar padrões de desenvolvimento de acordo com o caráter de cada cidade. Em planejamento urbano, muitas pesquisas são generalistas ou superficiais. Algumas cidades utilizam as ideias de "baixo carbono" e "sustentável" como uma marca de moda, um material de marketing, fato que não apenas escamoteia a promoção da sustentabilidade, mas pode mesmo impedir de se alcançar um desenvolvimento urbano de baixo carbono.
Esse fenômeno de cópia foi comum, por exemplo, entre os chineses, que por décadas fizeram cidades extremamente semelhantes. Cidades com aparência semelhante, edifícios similares e as mesmas praças. Pequenas cidades copiavam as grandes cidades, e as cidades grandes tornavam-se um "campo experimental" de arquiteturas estrangeiras. Se tal situação ocorre em cidades de baixo carbono, elas não só perdem seu caráter, sua cultura, mas também perdem suas funções específicas. Construir uma "cidade de baixo carbono" sob o fenômeno da cópia constitui uma violação do conceito original de baixo carbono como desenvolvimento econômico eficiente.
O segundo problema é a falta de sistematização e integridade multidisciplinar. A construção da cidade de baixo carbono é um projeto complexo e se refere a muitos campos de conhecimento como economia, sociedade, demografia e meio ambiente. As forças de interação internas e os mecanismos de baixo carbono são raramente estudados, e em geral o planejamento urbano de baixo carbono se concentra em determinado aspecto, como edifícios sustentáveis, transportes de baixo carbono ou economia de energia. Esses, apesar de serem aspectos necessários, não são suficientes para um sistema de alta complexidade como a cidade. Assim, é preciso investir em pesquisas mais sistemáticas. O conceito de baixa emissão de carbono deve ser aplicado em todos os aspectos da evolução da cidade: do uso e ocupação do solo aos padrões de transporte; da configuração industrial ao estilo de vida dos habitantes.
O terceiro problema seria a falta de metodologia consistente. A metodologia de baixo carbono atual se refere principalmente à utilização de novas energias e/ou conservação de energia, enquanto são raros os estudos básicos sobre o baixo carbono no planejamento urbano. No Brasil, especificamente, não há métodos de avaliação de baixo carbono para o desenvolvimento urbano. As investigações estatísticas sobre as emissões de carbono são insignificantes, o que causa problemas na qualificação da relação entre as emissões de carbono e o uso da terra ou da estrutura urbana. Em geral, a metodologia de baixo carbono no urbanismo ainda está no estágio primário, e as tecnologias ainda são incertas.

UM ESTUDO DE CASO: A CIDADE DE FORTALEZA E SUA REGIÃO METROPOLITANA
As cidades brasileiras se caracterizam por uma urbanização dispersa, considerada uma forma de crescimento urbano ineficiente, pois aumenta as emissões com transportes, em função das longas distâncias de percurso. Além disso, ele sinaliza os impactos urbanos decorrentes do aquecimento global – enchentes, deslizamentos, aumento de temperatura, secas, aumento dos níveis dos mares – que serão sentidos de maneira diferenciada nas distintas regiões do país, com provável grande impacto sobre as populações mais pobres.
Considerando esses dados preliminares, a pesquisa busca concentrar esforços no estudo do caso da cidade de Fortaleza e na sua região metropolitana. A justificativa para esta escolha está no fato de que esta metrópole encontra-se entre aquelas que sofrem acelerado processo de crescimento populacional e de expansão metropolitana e cujas configurações e tendências observadas em estudos recentes indicam a existência de:
  • Áreas urbanas polinucleadas que podem englobar desde espaços contínuos edificados até espaços descontínuos intermediários, intercaladas com diferentes tipos de aglomerados residenciais, comerciais e de serviços dispersos no território;
  • Aumento exponencial do risco ambiental em termos das possibilidades de desabamentos de encostas, assoreamento de rios e córregos, contaminação de mananciais, destruição e/ou degradação de remanescentes de matas primárias e de manguezais.
A formação desta aglomeração urbana descontínua e dispersa é um fenômeno que decorre historicamente da atração de populações do interior e de outros estados da federação e de um crescimento vegetativo. Esse processo, tal como ocorreu em outras regiões metropolitanas, tem se caracterizado por uma dinâmica de segregação das populações urbanas de menor poder aquisitivo em direção a áreas periféricas, degradadas, menos aparelhadas em termos de oferta de equipamentos e serviços públicos, e de pior acessibilidade, em termos de tempo-distância de deslocamentos. O rápido crescimento metropolitano aponta para a relevância estratégica de se pensar em ações sustentáveis de ordenação urbana e territorial.
Fortaleza, como núcleo central metropolitano, vem passando por um forte processo de substituição de atividades, do setor secundário para o setor terciário, com o desenvolvimento de serviços e comércio mais sofisticados e especializados, que passam a exercer um novo caráter polarizador, que transcende a escala regional. A primazia urbana exercida por Fortaleza põe à mostra que a RMF não se caracteriza como uma área metropolitana típica, mas pelo contrário, como um espaço a ser ocupado, dentro de uma dinâmica de novas localizações populacionais e de atividades, que deverá ser observada nos próximos 20 anos. Entretanto, pouco se sabe sobre as consequências ambientais desta configuração que está sendo germinada.
Por outro lado, sob a ótica da produção e estruturação do espaço, Fortaleza apresenta uma história de planejamento urbano que permite investigar suas limitações e possibilidades. Compreender este percurso permite desvendar como ocorreu a constituição do campo do planejamento urbano, a escolha das vertentes norteadoras das propostas, a estruturação dos planos, sua relação com a expansão urbana e com a questão ambiental. De fato, o planejamento oficial, na qualidade de instrumento executivo e normativo do governo municipal, mostra relações diferentes entre técnica e política, tendo um reconhecimento limitado dos agentes públicos e privados, só considerados quando atendiam a interesses de controle e domínio social.
Os planos e normatizações, embora diferenciados em relação aos pressupostos teóricos, metodológicos e à abrangência, têm contribuído para a valorização diferenciada entre áreas da cidade e promovido disfunções socioambientais. Já as legislações de uso e ocupação do solo, de caráter regulador, foram mais incisivas na definição do desenho da cidade. Na atualidade neoliberal, entretanto, o planejamento urbano sofre um refluxo e uma fragmentação devido à legitimação da interferência direta de grupos de pressão (planejamento estratégico, operações urbanas, parcerias público-privadas etc.). Um fato é certo: a prática urbanística em Fortaleza é ainda muito precária quanto à sustentabilidade, sendo imprescindível a concepção de novos mecanismos para uma mudança em profundidade.

OBJETIVOS DA PESQUISA
Geral:
Esta proposta de pesquisa visa avançar no conhecimento sobre o urbanismo e o planejamento urbano de baixo carbono. É seu interesse explorar conceitos interdisciplinares, tais como vulnerabilidade socioambiental, resiliência e conectividade, como estratégias teórico-metodológicas para o projeto e o planejamento das cidades, numa abordagem interescalar, com vistas a propor subsídios para políticas públicas que visam um melhor desempenho socioambiental das cidades.
Específicos:
Tendo como base o estudo de caso da Região Metropolitana de Fortaleza, a pesquisa pretende alcançar os seguintes objetivos específicos:
  • Identificar, a partir de estudos comparativos, as principais oportunidades e metodologias para práticas de projeto e planejamento que visem cidades de baixo carbono;
  • Identificar as políticas urbanas e metropolitanas postas em prática na metrópole em estudo;
  • Analisar as principais implicações espaciais, culturais e sociais para implantação das práticas de baixo carbono;
  • Desenvolver uma reflexão crítica a partir do cruzamento de conceitos interdisciplinares e o conceito de cidades de baixo carbono;
  • Explorar as possibilidades de rebatimento destas análises no processo projetual e de planejamento da cidade e sua região metropolitana, visando um melhor desempenho em relação a mudanças climáticas.

METODOLOGIA
Em busca de respostas consistentes para as questões colocadas neste projeto de pesquisa, propomos um plano de trabalho a ser desenvolvido em dois anos e articulado em quatro etapas. Considerando o aporte teórico e os objetivos deste estudo, pretende-se, a partir do estudo de caso da cidade de Fortaleza e de sua região metropolitana, confrontar o conjunto das ações, projetos e políticas urbanas ora em prática a recentes interpretações do fenômeno da baixa emissão de carbono em grandes cidades. Para fazer isso, alia-se as teorias relativas ao tema às análises empíricas, buscando, de um lado, caracterizar diferentes áreas do contexto metropolitano que servirão de quadro para a análise; e por outro lado, identificar e avaliar essa metrópole como cidade de baixo carbono.
A metodologia utilizada no desenvolvimento desta pesquisa faz uso da literatura sobre o tema, das técnicas de observação empírica, de entrevistas e questionários, de descrição analítica da cartografia em abordagem interescalar e de análises de setores funcionais urbanos. Com isso, espera-se poder discernir sobre as lógicas espaciais, os elementos de composição, e principalmente identificar seus problemas emergentes e os princípios e as possibilidades programáticas para cidades de baixo carbono.

SOBRE A REPERCUSSÃO DOS RESULTADOS E REPERCUSSÃO ESPERADOS
Sobre a repercussão dos resultados, pode-se enfatizar:
  • Contribuição original ao conhecimento sobre os impactos do urbanismo e do planejamento urbano em cidades de baixo carbono, comparados com os impactos em aglomerações recentemente incorporadas aos circuitos espaciais globalizados da produção;
  • Subsídios para a gestão integrada e para a proposição de políticas urbanas de baixo carbono, em especial para o planejamento e controle do uso e ocupação do solo. Tais subsídios podem ser úteis para a preparação de um futuro ‘Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas’ de Fortaleza.
  • Formação de recursos humanos de graduação (iniciação científica) e de pós-graduação (futuro Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do DAU-UFC);
  • Desenvolvimento de atividades de extensão universitária, sobretudo para o treinamento de gestores locais e assistência técnica para demandas específicas.